Manoel dos Reis Machado | Mestre Bimba | Bahia 1899 – 1974
Aos 23 de novembro de 1899, início de um novo século, no bairro de Engenho Velho, freguesia de Brotas, em Salvador, Bahia, nascia Manuel dos Reis Machado, o Mestre Bimba. Seu apelido, Bimba, ele ganhou logo que nasceu, em virtude de uma aposta feita por sua mãe e pela parteira que o "aparou". Sua mãe, dona Maria Martinha do Bonfim, dizia que daria luz a uma menina.
A parteira afirmava que seria um homem. Apostaram. Perdeu dona Maria Marinha, e o Manuel, recém-nascido, ganhou o apelido que o acompanharia para o resto da vida. Bimba é, na Bahia, um nome popular do órgão sexual masculino em crianças. Seu pai, o velho Luiz Cândido Machado, já era citado nas festas de largo como grande "batuqueiro", como campeão de "Batuque", "A luta braba, com quedas, com o qual o sujeito jogava o outro no chão". Aos 12 anos de idade, Bimba, o caçula de dona Martinha, iniciou-se na Capoeira, na Estrada das Boiadas, hoje bairro da Liberdade, em Salvador.
Seu mestre foi o africano Bentinho, Capitão da Cia. de Navegação Baiana. Nesse tempo, a Capoeira era bastante perseguida e Bimba contava: "naquele tempo, Capoeira era coisa para carroceiro, trapicheiro, estivador e malandros. Eu era estivador, mas fui um pouco de tudo. A polícia perseguia um capoeirista como se persegue um cão danado. Imagine só, que um dos castigos que davam a capoeiristas, que fossem presos brigando, era amarrar um dos punhos num rabo de cavalo e outro em cavalo paralelo. Os dois cavalos eram soltos e postos a correr em disparada até o quartel.
Comentavam até, por brincadeira, que era melhor brigar perto do quartel, pois houve muitos casos de morte. “O indivíduo não aguentava ser arrastado em velocidade pelo chão e morria antes de chegar ao seu destino: o quartel de polícia". A essa altura, Bimba começou a sentir que a "Capoeira Angola", que ele praticava e ensinou por um bom tempo, tinha se modificado, degenerou-se e passou a servir de "prato do dia" para "pseudo-capoeiristas", que a utilizavam unicamente para exibições em praças e, por possuir um número reduzido de golpes, deixava muito a desejar, em termos de luta.
Aproveitou-se então do "Batuque" e da "Angola" e criou o que ele chamou de "Capoeira Regional", uma luta baiana. Possuidor de grande inteligência, exímio praticante da "Capoeira Angola" e muito íntimo dos golpes do "Batuque", intimidade esta adquirida com seu pai, um mestre nesse esporte, foi fácil para Bimba, com seu gênio criativo, "descobrir a Regional". Criada a Regional, Bimba deu, talvez, a sua maior contribuição à Capoeira, criou um método de ensino para esta, coisa que até então não existia. "O capoeirista aprendia de oitava", dizia o mestre.
O que caracterizava a Capoeira Regional, é a sua "Sequência de Ensino": Esta sequência é uma série de exercícios físicos completos e organizados em um número de lições práticas e eficientes a fim de que o principiante em Capoeira, dentro do menor espaço de tempo possível, se convença do valor da luta, como um sistema de ataque e defesa. A sequência é para o capoeirista o seu ABC. Ela veio contribuir de maneira definitiva para o aprendizado da Capoeira. Porém até 1927 a Capoeira era praticamente ilegal.
Bimba conseguia alguns "tostões em vaquinhas", para pagar o delegado e poder ensinar a sua Capoeira por uma hora apenas; no fim desse prazo, o delegado aparecia com seus soldados e o pessoal "se mandava", corria mesmo, para tudo parecer real para o povo que assistia. Foi então, assim que o Mestre Bimba com seus alunos fizeram uma apresentação em homenagem ao então deputado Simões Filho, fundador do jornal "A Tarde". O povo passou assim a tomar conhecimento do que era a Capoeira do mestre.
Em 1934, no dia 3 de dezembro, no Festival Beneficente da Casa dos Mendigos, Bimba presta nova homenagem realizando uma exibição no Estádio de Brotas, o povo vibrou quando Bimba desferiu um "rabo de arraia" em Geraldo, tirando-o de combate, como noticiou "A Tarde". Em 1936, Bimba desafia qualquer lutador, de qualquer luta, para enfrentá-lo com a sua Regional. Foram realizadas quatro lutas e os adversários foram: Vítor Benedito Lopes, Henrique Bahia, José Custódio dos Santos (Zé I) e Américo Ciência. A luta que durou mais tempo, marcou um minuto e dez segundos confirmando um apelido que Bimba possuía em seu bairro: "3 pancadas", que era o máximo que o adversário aguentava.
Bimba vence todos e sagra-se campeão. Na ocasião prometeram um 'cinturão de ouro". Conta o Dr. Angelo Decânio (ex-aluno) que certa feita, o mestre lhe pediu um cinto do Exército e com ele, confeccionou um cinturão de campeão com tachas de sapateiro, e o pendurou na sala da sua casa. Dizia: "Me prometeram o cinturão, não me deram, resolvi fazer um!" Essas lutas foram realizadas na inauguração do Parque Odeon, na Praça da Sé. No dia 7 de fevereiro de 1936 o "Diário de Notícias" publicava: "O esporte nacional no Stadium Odeon, o capoeirista Bimba venceu brilhantemente seu forte adversário Henrique Bahia".
Já o "Estado da Bahia" publicava: "O Bimba é bamba" e passa a descrever a luta, afirmando que o "Mestre Bimba projetou o seu adversário com um pontapé no peito". Certa vez, apareceu em sua Academia, em um dia de "Formatura", um capoeirista que o desafiou. Os alunos queriam "pegar" logo o desafeto ao que o Bimba falou: "Deixem o rapaz, no fim da festa, acerto as contas com ele". Finda a Formatura, o Mestre chamou o desafiante para o "pé do berimbau", para jogarem a Capoeira. Assim que o capoeirista saiu de "aú", o mestre acertou-lhe uma violenta "benção" no rosto partindo-lhe os lábios e o nariz. O desafiante indagou: "O que é isso Mestre?" E o Mestre, alto, firme, seco e irônico: "É pé meu filho!" Nunca mais apareceu ninguém para desafiá-lo e à sua Capoeira Regional.
Ainda neste ano, o Mestre Bimba desfila no cortejo cívico do 2 de julho. O jornal "A Tarde" de 1° de julho de 1936 publicou na página 2: "A maior data da Bahia", ilustrando a matéria a foto do Mestre jogando e a seguinte legenda: "Mestre Bimba, famoso praxista da Capoeira, numa demonstração de sua especialidade, com alguns discípulos".